Consciência X Sentidos
Cecília... Ah, doce Cecília! Linda menina! Pele de porcelana, morena, cabelos longos e negros, lábios carnudos, nariz arrebitado, dona de um sorriso estridente e de uma força inabalável. Sem falar dos olhos, também negros, arredondados, grandes, expressivos, que acomodam um olhar penetrante, porém que nada vê.
Cecília é deficiente visual, seu único defeito, se é que podemos assim chamar. Tão parecida com uma obra de arte ela é que ficaria mais coerente atribuir o termo borrão, é isso! O único borrão de toda a sua essência. Nasceu assim e por isso, nada pode ver. Precisou desenvolver os outros quatro sentidos que lhe cabiam.
Certa vez sua mãe, Maria de Fátima, ficou sabendo a respeito de uma exposição artística que haveria ali, aos arredores de sua morada. Fascinada pela arte, jamais, perderia essa oportunidade. Empolgada, tratou de contar logo a Cecília, que além de filha era sua companheira inseparável. A acompanhava em absolutamente tudo, isso quer dizer que ela, a mãe de Cecília, já teria uma acompanhante para tal exposição, teria! Cecília pela primeira vez recusara o convite da mãe.
- Não quero ir.
- Mas... Filha! Você...
- Já disse mãe. Eu não vou. Sinto muito!
- Por quê? Diga-me. Apenas isso.
O que Maria de Fátima não sabia era que, havia tempos, Cecília andava meio insegura, devido a sua cegueira. Ela estava passando por uma fase turbulenta, doía nela só de pensar que nunca havia visto, se quer, a cor e o tamanho infindável do mar, do céu ou de outras pequenas coisas. Mas... E a força inabalável? Estava se dispersando. E a sua desenvoltura com os outros sentidos?
Pra ela, agora nada mais importava, estava tudo se tornando tão intolerável. A única coisa que sabia é que era cega, não podia ver as palavras, as cores, as grandes construções, os bichos, fotografias, nada!
- Filha? Tá tudo bem contigo?
A única coisa que fazia era calar-se. Tão quieta e muda estava, que a mãe começou a achar que a filha estava desencadeando uma nova deficiência: a mudez! Cecília, porém percebeu que sua mãe estava preocupada. Resolveu falar.
- Que cor a vida tem mãe?
- Que? Como assim? Você está se sentindo bem meu anjo?
- Sim. Qual a cor que a vida tem pra você? Verde? Amarela? Vermelha? Qual?
- Ah... Sei lá! Ela é tão linda. Cada momento tem sua cor filha. Por exemplo, nos momentos de paz e tranqüilidade, a vida nos remete a cores como o azul e/ou a branca. As cores variam, a vida é colorida. Por quê?
- Fecha os olhos.
- Como é que é?
- Fecha!
- Tá! Calma!
- Fechou?
- Sim.
- E agora? Que cor tem a vida? Qual a cor que você consegue ver.
- Eu não vejo nada filha. Esqueceu que estou de olhos fechados?
- Não, eu não esqueci. Então?
- Então o que?
- Qual a cor?
- Já disse que não vejo nada menina! É tudo apagado, tudo escuro.
- Muito bem! E qual a cor da escuridão, do nada?
- Bem, acho... É preta. Pronto?
- Sim. Pode abrir os olhos. Agora você volta a enxergar tudo colorido, com mais vida, né?
- É sim.
- Pois é mãe. Esse lado da vida eu não conheço. Pra mim, tudo é nada, tudo é escuro. A única cor que conheço é a do nada. Eu não tenho a consciência do que são cores, sabe por quê? Por que eu não vejo! Nunca experimentei o sentido da visão.
- Filha, o ser se diz em vários sentidos. Nós, seres humanos, temos cinco sentidos: a visão, o tato, o paladar, a audição e o olfato. Você não possui um único sentido. Os outros quatro você tem. Saiba usá-los. Comunique-se através destes.
- Não existe nada na consciência que já não tenha sido experimentado antes pelos sentidos. Por isso serei sempre inconsciente.
- O ser se exprime de vários modos, mas nenhum modo exprime o ser. O ser se diz em vários sentidos. Inconsciente jamais você será, até porque, você possui outros sentidos que lhe fará sempre ter a consciência do ser. Do ser que você é, do ser que nós somos.
OBS: Conto baseado nas idéias de Aristóteles.
Eu confesso que chorei quando vc leu essa história lá na sala. Bem escrita, muito linda *-*
ResponderExcluirKKKKKKKKKK' Vc é uma onda Gabi!
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